Uma história de alemães que ajudaram a construir o Brasil
O casal Herdana e Dieter Freifrau von und zu Fraunberg chegou ao País na década de 60, colaborando com desenvolvimento social de Crissiumal (RS) e Salvador (BA)
Quando alguém se dedica à uma comunidade agregando valores e ajudando no desenvolvimento social, podemos dizer que isso é uma atitude nobre. E é por aí que iniciamos a contar a história de Herdana Freifrau von und zu Fraunberg, nascida em 4 de abril de 1942, na cidade de Fraunberg, na Alemanha. A família de origem literalmente nobre de Herdana vive desde os anos 1000 D.C. naquela localidade da região alemã da Bavária e seus antepassados eram senhores feudais e muitos deles, cavaleiros. Até então, essa história parece um tanto quanto distante do Brasil. Mas foi em 1963 que Herdana, hoje com 70 anos vivendo em um castelo germânico medieval construído em 1245 e seu marido, Dieter Freiherr von und zu Fraunberg, desembarcaram em solo brasileiro. Dieter na época era um jovem estudante de teologia e já sonhava em atuar como pastor em algum templo cristão da Igreja Luterana da Alemanha. E esse sonho acabou se concretizando. Dieter poderia optar entre Nova Guiné e Brasil. Escolheu o país sul-americano. Dieter e Herdana casaram-se em 1961, um ano depois nascia a primeira filha do casal – Birgit e em abril de 1963, chegavam ao Brasil de navio, desembarcando em um porto no sudeste do País.
Logo após chegar ao Brasil, o casal soube que iria para o Rio Grande do Sul, adaptando-se ao RS com uma pequena estada em Ijuí, no noroeste gaúcho. Não demoraria muito,e, assim, já em outubro de 1963, Herdana e Dieter chegaram a Crissiumal, onde permaneceram por 12 anos. Ao chegar no município, localizado na divisa com a Argentina, o casal alemão encontrou desafios e desafios. Um deles era concluir a construção do templo da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB) que estava pela metade em um momento em que a população daquela cidade enfrentava graves problemas na infraestrutura da localidade. “A comunidade refletia se queria continuar mantendo a escola. Um médico tão somente atendia a uma população de 20 mil habitantes. O hospital privado na cidade era muito pequeno, a casa pastoral era muito precária com risco de desmoronamento e nas comunidades da paróquia, no interior, as igrejas de maderia estavam igualmente muito precárias”, conta Herdana.
Para iniciar o enfrentamento daqueles desafios, Herdana e Dieter começaram a encontrar nas comunidades lideranças dispostas a abraçar as causas da população. Ao lado destas comunidades, todas as igrejas foram reformadas. Com a chegada do médico José Carlos Togni a Crissiumal, iniciaram os planos para a construção de uma nova casa de saúde no município. “Para a construção definitiva dos novos prédios do Hospital de Caridade de Crissiumal conseguiu-se verbas da Central Evangélica de Desenvolvimento de Bonn, da Alemanha”, destacou Herdana.
Com a vinda do professor Ruben Goldmeyer, hoje diretor do Instituto de Educação Ivoti (IEI), à Crissiumal, iniciou a construção de um novo prédio para a escola comunitária. “Alegramos-nos com este esforço coletivo para construções e reconstruções. Era agradável este planejamento em conjunto com a comunidade com vistas às necessidades e continuidade dos projetos iniciados, mantendo-os”, relata emocionada Herdana.
A alemã, hoje septuagenária, comenta que sempre esteve muito ligada a Crissiumal, principalmente porque lá nasceram três dos seus filhos. E a convivência transparente com as pessoas descomplicou qualquer dificuldade que pudesse aparecer, assim como um trabalho com muito apoio estão nas recordações de Herdana. “O sentimento de que coletivamente se pode buscar objetivos comuns, superando desafios trouxe realização pessoal e a certeza de dever cumprido. Registre-se, que, de outro lado foi uma época de trabalho estressante, pois Dieter, como pastor, além da comunidade de Crissiumal atendia mais 14 comunidades filiais, assim nominadas”, conta Herdana.
Os desafios decorrentes do jardim de infância, da escola comunitária com projetos de construção e conclusão do Hospital de Caridade com observância de “absurdas burocracias”, significaram para Herdana muitas horas na descrição de projetos e traduções. “Só quando se é jovem, se pode dar conta de tantos desafios”, relata.
Salvador
Em 1975, a IECLB solicitou que a mudança do casal para Salvador, na Bahia, por onde permaneceram por cinco anos. No nordeste brasileiro, o desafio de Herdana e Dieter era auxiliar na reconstrução da comunidade, onde existia uma plena heterogeneidade: velhos comerciantes alemães, jovens técnicos alemães, engenheiros, químicos, profissionais liberais e suas respectivas famílias vindas do sul do País, que se incorporavam à comunidade evangélica luterana de Salvador. “O trabalho era desenvolvido de forma bilíngue, iniciando formas diferenciadas de cultos. Durante a semana as atividades concentravam-se no trabalho com senhoras e crianças, pois a atuação profissional dos homens acontecia em locais distantes de Salvador”, conta Herdana.
A vida em um castelo
Na década de 80, Herdana e Dieter acabaram retornando à Alemanha, passando a viver em um castelo medieval, construído em 1245, em Fraunberg, com muros e riachos ao redor. “O castelo foi muito atingido e quase destruído na Guerra dos 30 anos (1618 – 1648) e posteriormente restaurado em 1690”, relata Herdana.
No último século, o castelo sofreu com as duas grandes guerras, a crise mundial industrial e a necessidade de encontrar espaços para prisioneiros de guerras, fugitivos, e migrantes. O pai e o irmão de Herdana foram vítimas da guerra. “De 1987 a 1993 saneamos a restauração do muro do castelo, recebendo subsídios do governo alemão pois o mesmo é patrimônio cultural. Tínhamos aprendido a lidar com relatórios e prestações de conta em Crissiumal na construção de hospital e escola”, disse Herdana.
A família de Herdana vive desde os anos 1000 D.C., em Fraunberg, na região alemã da Bavária. Entre os antepassados de Herdana estão senhores feudais e muitos cavaleiros. Eles passavam terras a agricultores que entregam percentuais da colheita. “Os senhores feudais assumiam o compromisso de zelar pelo Direito, Lei e Ordem e proteger os vâssalos em épocas de guerras. Estes senhores feudais tinham de outro lado contato com príncipes e reis. O castelo, ao longo de séculos, era um centro cultural da localidade. A igreja da localidade foi construída por antepassados. Eles opinavam e decidiam sobre os pastores que viriam a atuar aqui e sobre os professores que trabalhavam na localidade”, conta Herdana.
Muitos dos antepassados de Herdana – eram católicos – e, assim, foram bispos, arcebispos, freiras e abadessas. Outros estavam comprometidos com a administração local, inclusive funcionários reais.
Família e história para crianças
Hoje, Herdana dedica-se à família e ao trabalho com crianças. “O mais importante para mim é ter tempo para a família. Os filhos ao lado dos genros, nora, nove netos e minha mãe com quase 99 anos de idade”, conta. Herdana integra ativamente a pequena comunidade, em que reside, próxima ao aeroporto de Munique. A comunidade atualmente passa por dificuldades. “Nessas horas, aquela nossa experiência em Crissiumal a serviço da comunidade conta muito e é sempre valiosa”, destaca.
Herdana faz questão de contar a história de sua família para as crianças, perpetuando assim também parte de seu legado. “Quando passo nos diferentes quartos do castelo conto-lhes como as pessoas viviam antigamente e como as crianças eram educadas, o que elas tinham que aprender, que armas os cavaleiros utilizavam, como as pessoas se alimentavam e o que não se conhecia da medicina que hoje é de domínio público, como eram os trabalhos manuais das senhoras e os passatempos”, relata.
Herdana conta ainda que tenta fazer com que as crianças vivenciem aqueles momentos. “Ao natural, sempre se interessavam pela época dos cavaleiros que, com a descoberta de armas e com o início da Guerra dos 30 anos, deixaram de existir”, conclui.
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