Dossiê presença alemã no Brasil

De “expatriados” indiferentes ao destino do país a defensores do nazismo, os imigrantes germânicos foram excluídos de muitas formas da política brasileira

 

por René E. Gertz

Os alemães vindos ao Brasil desde a Independência e seus descendentes, muitas vezes, foram vistos de maneiras opostas. Quem enfoca os resultados econômicos tende a emitir opiniões favoráveis, lembrando o desbravamento das florestas ou a modernização da economia urbana. Mas quem focaliza a inserção política dos imigrantes na nova pátria invariavelmente faz um diagnóstico negativo. Alemães e descendentes nunca teriam se tornado verdadeiros cidadãos brasileiros, demonstrando desinteresse total por este país, e insistido na manutenção de sua cultura e na lealdade à Alemanha, constituindo assim um potencialmente perigoso exército precursor do imperialismo alemão em relação ao Brasil.

Em 1903, o secretário de governo João José Pereira Parobé refletiu, de maneira exemplar, os dilemas que povoavam a mente até de governantes: o Rio Grande do Sul deveria abrir mão de seu desenvolvimento material, caso dependesse da vinda de mais imigrantes alemães, pois estes constituiriam “verdadeiros expatriados”, que se negariam a uma integração na sociedade local, motivo pelo qual não contribuiriam em nada para elevar o moral da sociedade gaúcha.

Essa avaliação não derivava das “colônias alemãs” em grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro, Salvador, Recife, mas sim das populações concentradas em pequenos lotes rurais no sul do país, e nas cidades dessa região. O número de alemães e descendentes em São Paulo não foi desprezível, mas ocupou, na opinião pública, posição intermediária entre os dois extremos citados.

Como o espaço aqui disponível não permite entrar em detalhes, se abordará a situação, exclusivamente, a partir da perspectiva do sul, pois são as “colônias” dessa região que constituem, até hoje, o pomo de discórdia nos debates sobre “alemães” no Brasil – muitas vezes, classificados como “quistos étnicos”, cânceres incrustados na nação brasileira. Durante os cerca de 25 anos que vão de 1890 a 1915, o “perigo alemão” esteve tão difundido que jornais mantinham colunas permanentes com esse título.

Alguns historiadores continuam endossando, de forma mais ou menos velada, essa opinião do senso comum. Justifica-se, portanto, perguntar se existem dados objetivos que confirmam essa avaliação sobre as citadas populações.

Durante o império brasileiro, havia restrições ao exercício da cidadania plena por parte de estrangeiros, e mesmo para cidadãos brasileiros natos que não fossem católicos. Essa situação só foi alterada com a Lei Saraiva, de 1881, permitindo que imigrantes e não-católicos pudessem votar e ser votados. Isso possibilitou o ingresso de deputados alemães na Assembleia Provincial do Rio Grande do Sul, com destaque para Carlos von Koseritz, que, além de político, foi intelectual, e a mais destacada liderança da “colônia alemã”, chegando a ser ventilado como candidato ao ministério do governo central.

Com a proclamação da República e o fim das restrições formais, iniciou-se uma evolução diferente entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Enquanto, no primeiro estado, pessoas de sobrenome alemão ocuparam os mais altos cargos da administração, no segundo, o regime instituído por Júlio de Castilhos, e continuado por Borges de Medeiros, até 1928, restringiu a participação política de toda a população, mas em especial a de imigrantes e descendentes. Não só se perpetuou uma oligarquia de origem portuguesa no governo estadual, mas as próprias prefeituras nas “colônias” eram administradas por pessoas sem raízes locais, e de origem étnica diferente da maioria da população dessas comunas.

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René E. Gertz é historiador e autor do livro O Neonazismo no Rio Grande do Sul, entre outros.

Fonte: http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/dossie_presenca_alema.html