EIERKIPPEN: Uma Tradição da Páscoa
Toni Jochem*
Historiador
A Páscoa é uma das festas religiosas mais comemoradas no mundo cristão. Seu ciclo é rico em tradições, que fazem parte da cultura[1] religiosa ocidental e se enquadram no que poderíamos denominar de patrimônio cultural imaterial[2]. Este ciclo integra um ritual de passagem, assim como a “passagem” de Cristo, da morte para a vida. Está intimamente ligada à vida, à regeneração, ao renascimento, à fertilidade e à primavera.
Algumas tradições que integram o ciclo pascoal originam-se de festivais pagãos da primavera. Entretanto, outras têm suas raízes na celebração do Pessach, ou Passover, a Páscoa judaica. Esta, por sua vez, remete à passagem da escravidão para a liberdade do povo judeu.
As mais diversas etnias comemoram o ciclo pascal de formas diferentes e com significados peculiares. Entre essas tradições, o professor Francisco Schaden, em seu livro “Notas para a História da Localidade de Löffelscheidt” – escrito em 1943 e publicado três anos depois – na página 30, descreve a EIERKIPPEN – batida de ovos –, mantida ainda na década de 1940 entre a população da localidade de Löffelscheidt, em Águas Mornas, Santa Catarina.
Nesta localidade, encontravam-se ricos elementos que caracterizavam os festejos pascais de modo muito peculiar. Por esse motivo, definiram-se as celebrações da Páscoa em Löffelscheidt, entre outros aspectos relacionados, como objeto de estudo do presente artigo, com o objetivo de dar-lhes maior visibilidade. Foram utilizados, para alcançar tal intento, além do registro de Schaden, a bibliografia[3] que conseguimos compulsar.
Antes, porém, para haver compreensão das influências recebidas por aquela comunidade na composição de seus rituais de Páscoa, mostra-se necessário entender como as tradições que estão nas suas raízes culturais e étnicas entendem e vivem este tempo.
A maior influência sentida em Löffelscheidt deriva da etnia alemã, de que a maior parte dos seus residentes tem descendência. Assim, é interessante fazer menção que,
Na Alemanha, a tradição cristã da Páscoa como a festa da ressurreição de Cristo, em que a morte não é vista como o fim e sim como o recomeço de uma nova vida, está ligada a elementos da mitologia germânica[4].
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Há quem afirme que o próprio termo alemão Ostern, como referência à Páscoa, deriva de Ostara, a deusa germânica da primavera. E que,
Na Alemanha, a tradição cristã da Páscoa como a festa da ressurreição de Cristo, em que a morte não é vista como o fim e sim como o recomeço de uma nova vida, está ligada a elementos da mitologia germânica[4].
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A primeira das grandes festas germânicas da primavera, representando a vitória do sol aquecedor sobre as trevas e o frio do inverno, é Ostern. Ela somente foi equiparada à festa de ressurreição de Cristo pela Igreja na Idade Média[5].
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Segundo Rodrigo Trespach,
Ostern, ou Easter, origina-se do nome da antiga deusa germânica da fertilidade Eostre ou Ostara. Eostre estava relacionada ao início da primavera (no hemisfério norte), e ao Eostemonat o mês germânico para essa deusa. (…). Da mesma maneira que Cristo havia vencido a morte (a Paixão na Cruz) renascendo para a vida eterna na Páscoa (a Ressurreição), a primavera era uma passagem da morte (inverno) para a vida (verão) representada na festa para a deusa Eostre[6].
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Na língua portuguesa, como em muitas outras línguas, a palavra Páscoa origina-se do hebraico Pessach. Já na língua alemã Páscoa é Ostern, para os ingleses é Easter, o que denota forte influência pagã. Dessa forma, é interessante observar que na Alemanha:
Não se pode dissociar a Páscoa da primavera. É tempo de celebrar o surgimento das flores, do verde nos campos e nas florestas. O ritual cristão se apropriou desta época de renascimento para comemorar a ressurreição de Cristo[7].
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De certa forma, fica evidenciado que o ciclo pascal herdou contribuições de diversas culturas. Assim, “a páscoa é mais um rito de povos antigos, assimilado pela Igreja Cristã de modo a impor sua influência”[8].
Löffelscheidt constitui-se numa das localidades da Colônia Alemã Santa Isabel, fundada em 1847 por imigrantes em sua grande maioria de confissão católica oriundos, principalmente, da região do Hunsrück, localizada entre os Rios Reno, Mosela, Nahe e Saar. Francisco Schaden afirma que “os colonos enviados a Löffelscheidt eram imigrantes da Renânia, gente prazenteira e jovial (…)”[9]. Hunsrück integra essa região que está localizada no atual Estado da Renânia-Palatinado, na Alemanha.
Francisco Schaden era alemão e literalmente apaixonado pela história da imigração/colonização. Nasceu em Leipzig em 1891. Chegou ao Brasil em 1910 e, logo em seguida, mudou-se para Löffelscheidt, onde passou a atuar como professor da escola local, até 1912, quando fixou residência na localidade de São Bonifácio e continuou a exercer a mesma profissão até sua aposentadoria.
Shaden foi testemunha ocular, bem informado dos assuntos de sua comunidade e, para guardar tais memórias, escreve suas “Notas”, com destacada propriedade. Consideradas de grande valor histórico, entre outros assuntos é registrada, ainda que em poucas palavras, a tradição alemã denominada “batida de ovos” – Eierkippen – nos seguintes termos:
As crianças conhecem igualmente o costume denominado Eierkippen, em que as mais espertas empregam ovos de galinhas de Angola, de casca mais resistente[10].
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Eierkippen significa literalmente: Ei = ovo; Eier = ovos; kippen = há vários significados, dentre eles o de desequilibrar, virar, bater, quebrar, etc. Dessa forma, podemos entender que a Eierkippen seria uma confraternização pascal, geralmente em âmbito familiar, em forma de jogo/brincadeira/competição. Duas pessoas, cada uma segurando nas mãos um ovo pintado/tingido, empurram seu ovo contra o do adversário, batendo (de leve), pressionando-os, até que um ovo rachado/quebrado/trincado dos dois lados exclui imediatamente um dos participantes, que o portar. Se existirem dois adversários ou mais, o vencedor é aquele que, após enfrentar a todos, é o único a possuir um ovo com uma ponta intacta.
Segundo Marília Marx Jordan, residente em Saint Blaise, na Suíça, a tradição da Eierkippen pode ser assim descrita com relação à sua característica configuração:
Na Suíça, em todo caso em sua parte francesa, esta tradição faz parte integrante do café da manhã do domingo de Páscoa em toda família em que há crianças. Os ovos são colocados dentro de uma cesta no centro da mesa do café da manhã. A tradicional competição tem seu início quando todos estiverem sentados à mesa tendo, geralmente, as seguintes regras a serem seguidas: 1. Cada membro da família escolhe um ovo e em seguida seu adversário. Numa mesa com crianças e adultos, são elas que escolhem os adversários e começam o jogo. Numa mesa integrada somente com crianças não se observa essa regra e são geralmente os mais espertos que iniciam a competição. 2. Vários pares de adversários podem começar simultaneamente a competição. 3. Aquele que ‘ataca’ deve usar sempre o lado pontudo do ovo enquanto aquele que é atacado deve apresentar o lado arredondado do mesmo. 4. Após o primeiro ataque, o mesmo par de adversários se enfrenta outra vez, sendo que o atacado se transforma em atacante. 5. Se existirem apenas dois adversários, ganha aquele cuja ponta do ovo permaneceu intacta. Se existem mais pessoas, o jogo continua e os participantes trocam de parceiros. 6. Um ovo quebrado dos dois lados exclui imediatamente o participante, que pode então comê-lo ou deixá-lo de lado para ser consumido mais tarde. 7. O vencedor é aquele que após enfrentar todos, é o único a possuir um ovo com uma ponta intacta. Não existe prêmio além do prazer/satisfação de saber que seu ovo é o ‘mais forte ou o mais resistente’ de todos os apresentados na competição. Os ovos que não foram consumidos pelos participantes após a competição terminam na salada “dent de Lion” (erva daninha que aparece na primavera) constituindo-se num prato tradicional do almoço no dia de páscoa[11]. |
O ovo da Páscoa pode ser considerado como um símbolo do Redentor fechado dentro de um túmulo e a sua batida, uns contra os outros, deve possibilitar/impulsionar a Ressurreição, o despertar incontido da vida que há no ovo[12]. Assim, “aparentemente morto, inanimado e petrificado, contém dentro de si uma vida nova que surge pujante para a luz do sol“[13]. Significa o renascimento do homem havendo também a possibilidade de identificá-lo “com o túmulo de onde se soergueu Cristo”[14]. Dessa forma, para os cristãos, o ovo passou a ser o símbolo da tumba da qual Jesus ressuscitou.
Há muito, o ovo foi entendido como símbolo de vida nova e, assim sendo, da ressurreição de Jesus Cristo. Entretanto,
Quanto ao fato e às cores utilizadas no tingimento dos ovos era uma alusão à chegada da florida primavera, depois de um rigoroso inverno no Hemisfério Norte. Assim,
ao colorir os ovos, pensou-se talvez no sangue de Cristo ao se usar a cor vermelha, mas nas muitas outras cores pensou-se provavelmente no novo enfeite da primavera: as flores[16].
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Ou:
A pintura dos ovos com cores vivas simboliza as cores trazidas pelo Sol na Primavera. A tradição dos ovos decorados chegou à Europa na Idade Média, levada pelos cruzados – era prática comum entre egípcios, persas, fenícios, gregos e romanos pintar ovos para oferecê-los como presente em seus festivais de Primavera[17].
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Ou ainda:
Antigamente, era comum pintar os ovos apenas de vermelho, para simbolizar tanto a cor do sangue de Cristo quanto a do amor que ele nutria pela humanidade. Isso ainda é assim na Igreja Ortodoxa[18].
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Schaden registra que, em Löffelscheidt, as crianças mais espertas se utilizavam, durante a Eierkippen, de “ovos de galinhas de Angola, de casca mais resistente”[19]. Dessa esperteza em se utilizar de ovos de galinha de Angola contra os de galinha comum, certamente resultava o sucesso em quebrar/trincar/rachar o ovo do adversário, sagrando-se o vencedor da tradicional competição. Assim, da região do Hunsrück, a tradição do Eierkippen chegou a Löffelscheidt, onde foi registrada já no início da década de 1910.
Mas o ovo e sua utilização como símbolo da Páscoa tem uma longa história através de séculos. Segundo Suzy Belai:
os ovos fazem parte da simbologia pascal da maioria das culturas. (…). O ovo era associado a lendas e mitos sobre a criação do universo, não só porque ele é a semente que contem o gérmen vital, mas também devido à sua forma, redonda, sem princípio nem fim. E a gema era associada ao sol, também ele fonte de vida. Ligado tão intimamente à vida, à regeneração, ao renascimento, à fertilidade, ao vigor e, naturalmente, à Primavera, o ovo tornou-se num símbolo da Páscoa, em toda a Europa. Quase todos os povos do hemisfério Norte costumavam celebrar a chegada da primavera, mais ou menos no período do ano em que surgiria a Páscoa judaica[20]. |
Ressaltamos que no hemisfério norte, a celebração da Páscoa era marcada com o fim do inverno e o início da primavera. Em 325 d.C., no Concílio de Nicéia, definiu-se como a entendemos hoje a data da Páscoa. Ela ocorreria de acordo com o calendário lunar, conforme a tradição judaica, no primeiro domingo após a primeira lua cheia da primavera no hemisfério norte. Ou seja, seria no primeiro domingo após a primeira lua cheia depois de 21 de março. Veja abaixo a relação das estações do ano nos hemisférios norte e sul evidenciando naquele o início da primavera em 21 de março.
– Hemisfério Sul – BRASIL |
– Hemisfério Norte – ALEMANHA |
Verão – Início dia 22 de Dezembro |
Inverno – Início dia 22 de Dezembro |
O começo da primavera é a época da procriação, seja para as aves, seja para mamíferos como o coelho. O grande número de ovos e/ou filhotes produzidos por esses animais passou a ser visto como símbolo da fertilidade que acompanhava essa fase do ano. Embora pareça maluca, a ligação entre coelhos ou lebres e os ovos era feita porque as tocas desses animais lembram, em alguns casos, os ninhos de aves, levando à ideia de que os coelhos também botariam ovos. Graças a essas associações, desenvolveu-se o costume de trocar como presente ovos de aves (galinha, gansa, pata, avestruz), decorados durante as festividades de Páscoa[21]. |
Já no hemisfério sul, a Páscoa é celebrada no outono e esse aspecto faz com que a relevância de alguns símbolos relacionados ao início da primavera não seja tão considerável. E esse aspecto relacionado ao início da primavera no hemisfério norte poderia, de certa forma, explicar a grande importância atribuída à Páscoa, pois a mesma, inequivocadamente, prenunciava o início de uma nova estação muito esperada pela maioria da população. O inverno com seu característico rigor, a neve abundante, o frio impiedoso dava lugar à primavera: a paisagem se transformava ressurgindo, como que por encanto, a vida. Como esse fator inexiste no Brasil, uma vez que, aqui, a Páscoa é comemorada no outono, é possível intuirmos que a relevância das comemorações da Páscoa, ao longo do tempo, tenha diminuído.
Assim, podemos concluir que as tradições, notadamente as relacionadas à Páscoa, trazidas pelos imigrantes, não raras vezes, sofreram ação de descontinuidade, pois seu significado num país tropical, por vezes, poderia carecer de relação com os fenômenos locais. Foi preciso ressignificar a vida, os costumes, as tradições e enfrentar as adversidades impostas aos imigrantes. Foi preciso sobreviver. Longe da terra natal a vida reclamava sua continuidade. E, nesse contexto, algumas tradições foram mantidas pelo significado intrínseco de conferir identidade e sentimento de pertença aos seus promotores.
A tradição da Eierkippen – objeto de nosso estudo – é encontrada em muitas regiões da Alemanha e imediações, podendo se fazer presente com diversas denominações e algumas especificidades locais. Assim, por exemplo, sobre a mencionada tradição, podem ser encontrados registros gráficos como “Oarhiartn“ (Eierhüten), “Oiastoußn“ (Eierstoßen), “Oiaboxn“ (Eierboxen), “iapecken“, “Eierpicken”, “Eierditschen”, “Eierschlagen” ou “Oierhiartn“ (Eierhüten)[22], dentre outras formas. Entretanto, resguardadas as especificidades locais, ressaltamos que a essência da tradição é a mesma independente da região em que se faz presente: competição/confraternização familiar, com o uso de ovos cozidos e tingidos, promovida por ocasião da Páscoa e em sua comemoração. Em Cochem, na Renânia-Palatinado, é realizada, ainda hoje, na segunda-feira após a Páscoa. Na ocasião, a população aproveita um feriado local denominado “Knippmontag“ para “fazer um piquenique, beber vinho, socializar-se com outras pessoas e jogar Eierkippen“[23].
Além dessa tradição da EIERKIPPEN, conseguimos localizar mais informações sobre a comemoração da Páscoa na localidade de Löffelscheidt. Lá, ovos cozidos e tintos eram consumidos durante toda a semana após a Páscoa. O texto a que tivemos acesso consta:
Ovos cozidos e tintos comiam-se também na semana da Páscoa. Nessa semana algumas famílias preparavam-nos diariamente, até o domingo da Pascoela, dia em que se serviam ovos cozidos mas não tintos. Como não se fala em lebre ou coelhinho pascal, a preparação dos ovos não era acompanhada de nenhum segredo[24]. |
Em busca de mais informações sobre a Pascoela[25] (Pequena Páscoa; Domingo seguinte ao da Páscoa) e suas respectivas tradições, realizamos pesquisa in loco entre alguns moradores octogenários em Löffelscheidt. No decorrer das entrevistas, descobrimos que:
1 – No dia da Páscoa, além da tradição da EIERKIPPEN, que se realizada em âmbito familiar, as famílias de confissão católica cozinhavam ovos de galinha e os tingiam. Nesse procedimento, utilizavam-se do bulbo de uma planta denominada Eleutherine plicata popularmente conhecida por Eierkraut[26] e que era especialmente cultivada no jardim de casa justamente para o tempo da Páscoa. A Eierkraut, com seus bulbos vermelhos, era colocada na panela durante o cozimento dos ovos e conferia a estes uma coloração avermelhada. Os que não desejavam colorir uniformemente os ovos, faziam uso de uma fibra extraída do caule de inhame, amarrando-a no ovo para o tingimento. Terminado o cozimento, as fibras eram retiradas e deixavam nos ovos pigmentos bastante apreciados. Até hoje muitas famílias ainda cultivam a Eierkraut nos jardins enquanto outras ainda a utilizam para o tingimento de ovos de Páscoa.
Esses ovos eram levados pelas famílias até a igreja local para, depois da realização da missa/culto, serem postos num leilão. O lucro era revertido para a manutenção da respectiva igreja. Quem arrematava os ovos imediatamente os distribuía/disponibilizava a todos os presentes para, ali mesmo, no pátio da igreja, se confraternizarem pela passagem da Páscoa.
2 – Esse mesmo ritual se observava no Domingo da Pascoela, com a observação de que, nesse dia, os ovos não eram tingidos e eram apresentados por todos na cor branca. Era o domingo branco, a páscoa branca.
O domingo da Pascoela era também denominado de domingo in albis, ou seja, domingo branco. E nesse domingo in albis ou Quasimodo geniti, terminava a oitava da Páscoa e os recém batizados faziam uso, pela última vez, de suas vestes brancas recebidas no dia do batismo; daí a denominação, domingo branco, ou páscoa branca. E era esse o dia:
em que se depunha a cor branca dos catecúmenos. Após o batismo, na noite de Sábado Santo para o Domingo da Páscoa, os catecúmenos que acabavam de entrar no grêmio da Santa Igreja, revestiam-se de branco, símbolo visível da pureza obrigatória de vida a partir de então: ‘Recebe esta vestidura branca e conserva-a sem mancha até ao Tribunal de Deus’. Durante os oito dias da Oitava da Páscoa os catecúmenos assistiam às cerimônias, revestidos da ‘Alva batismal’; assim gravar-se-ia mais indelevelmente em seu espírito a obrigação santa duma existência sem pecado. A partir da Pascoela, retomavam, durante os ofícios, a veste ordinária[27]. |
Sobre as cerimônias religiosas da Pascoela, Schaden silencia. Mas cita a existência da tradição da “Água Pascal“, a Osterwasser[28]. Sobre essas tradições ele arremata: “no tempo que passei em Löffelscheidt (1910-1912), vigoravam ainda todos esses costumes. É verdade que nem sempre eram seguidos de modo geral, e hoje (1943) talvez estejam abandonados em grande parte”[29]. E continua: “Na medida do possível descrevi os pequenos e insignificantes fatos sempre recordados pelos moradores e que constituem a sua tradição oral”[30]. Sobre as fontes de consulta utilizadas por Schaden em suas “Notas” ele mesmo escreve:
Não foi fácil reunir o material para o presente trabalho. As fontes impressas são pouco numerosas e, além disso, dificilmente acessíveis. São escassos também os apontamentos manuscritos. A maior parte dos dados colhi-os pessoalmente entre os moradores, (…). Mas como na época já houvessem falecido todos aqueles que lançaram os fundamentos da povoação, as informações tiveram de ser recolhidas entre os filhos daqueles pioneiros (…)[31]. |
O ciclo da Páscoa é rico em tradições e, em Löffelscheidt, não é diferente. Parte do que dela conhecemos chegou até nós por intermédio dos escritos de Francisco Schaden (*1891†1957) a quem, de público, prestamos nossa sincera homenagem. Sua pena registrou para a posteridade importantes aspectos da história de Löffelscheidt e de outras localidades da região. Esse discernimento e espírito, ímpares, nos faz credores de perene gratidão e reconhecimento à sua memória[32].
O patrimônio imaterial representado pela EIERKIPPEN, trazido pelos imigrantes alemães que, de certa forma, evidenciava a vitória do sol aquecedor (Cristo) sobre as trevas e o frio do inverno, foi transmitido de geração em geração por décadas. Em terras inóspitas, as limitações impostas pelo ambiente forjaram a recriação da vida, e, nesse contexto, o patrimônio imaterial conferiu significado e, sobretudo, sentimento de pertença à sua própria comunidade, servindo-lhes de alento diante dos reveses do cotidiano. Hoje não há mais registros da realização da Eierkippen em Löffelscheidt.
A seguir vão algumas fotografias, disponibilizadas na Internet, sobre a tradicional confraternização pascal denominada Eierkippen – batida de ovos – em algumas regiões na Alemanha que, de certa forma, visualiza aspectos do rico ciclo da Páscoa e suas tradições.
NOTAS DE FIM
* Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e Mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina.
[1] Cultura, aqui, é entendida segundo a definição dada por Peter Berger como consistindo “na totalidade dos produtos do homem”. BERGER, Peter. O Dossel Sagrado – Elementos para uma Teoria Sociológica da Religião. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 19.
[2] A UNESCO define como Patrimônio Cultural Imaterial “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural”. Cf. UNESCO. Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Paris, 2003. Disponível em http://www.unesco.org/culture/ich/doc/src/00009-PT-Portugal-PDF.pdf Acesso em: 07 abr. 2012.
[3] No Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo, em sua 11ª edição, de 2002, não encontramos menção a Eierkippen.
[4] DW. Páscoa: Mitos germânicos e tradições cristãs. Disponível em http://www.dw.de/dw/article/0,,834694,00.html Acesso em 06 abr. 2012.
[5] GRIMM, Jacob apud DW. Páscoa: Mitos germânicos e tradições cristãs. Disponível em http://www.dw.de/dw/article/0,,834694,00.html Acesso em: 06 abr. 2012.
[6] TRESPACH, Rodrigo. Origens da Páscoa. 03 abr. 2012. Disponível em http://www.rodrigotrespach.com/2012/04/03/origens-da-pascoa/ Acesso em: 06 abr. 2012. É interessante observar que: “Ostera (ou Ostara) é a Deusa da Primavera, que segura um ovo em sua mão e observa um coelho, símbolo da fertilidade, pulando alegremente em redor de seus pés nus. A deusa e o ovo que carrega são símbolos da chegada de uma nova vida. Ostara equivale, na mitologia grega, a Persephone. Na mitologia romana, é Ceres”. Cf. CETICISMO. A verdadeira História da Páscoa. Disponível em http://ceticismo.net/religiao/a-verdadeira-historia-da-pascoa/ Acesso em: 07 abr. 2012.
[7] GERHARD, Joachim apud DW. Páscoa pelo planeta. Disponível em http://www.dw.de/dw/article/0,,1969016,00.html Acesso em: 06 abr. 2012.
[8] Cf. CETICISMO. A verdadeira História da Páscoa. Disponível em http://ceticismo.net/religiao/a-verdadeira-historia-da-pascoa/ Acesso em: 07 abr. 2012.
[9] SCHADEN, Francisco. Notas para a História da Localidade de Löffelscheidt. São Bonifácio: Ed. do Autor, 1946, p. 5.
[10] SCHADEN, Francisco. Notas para a História da Localidade de Löffelscheidt. São Bonifácio: Ed. do Autor, 1946, p. 30.
[11] JORDAN, Marília Marx. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por Toni Vidal Jochem (toni@tonijochem.com.br), sob o título “Costumes da Páscoa”, em 03 abr. 2012. Mais informações sobre o regulamento da Eierkippen poderão ser obtidas em: FISCHER, Anke. Feste und Bräuche in Deutschland. Fränkisch-Crumbach: Genehmigte Lizenzausgabe Edition XXL GmbH, 2004, p. 35; ou ainda em SCHMIDT, Friedrich Heinz. Osterbräuche. Leipzig: Bibliographisches Instiut, 1936, p. 43.
[12] MENZEL, Wolfgang. Christliche Symbolik. Regensburg: Verlag von G. Joseph Manz, 1854, Seite 175-180, traduzido por Renate Adolfs.
[13] SILVA, Neri Pereira da. A Páscoa e Seus Símbolos. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 29.
[14] SOARES, João. A tradição dos Ovos da Páscoa. Posimetron, 10 abr. 2009. Disponível em http://prosimetron.blogspot.com.br/2009/04/tradicao-dos-ovos-da-pascoa.html Acesso em: 03 abr. 2012.
[15] DANTAS, Tiago. Ovo de Páscoa. Mundo e Educação. Disponível em http://www.mundoeducacao.com.br/pascoa/ovo-pascoa.htm Acesso em: 14 abr. 2012.
[16] MENZEL, Wolfgang. Christliche Symbolik. Regensburg: Verlag von G. Joseph Manz, 1854, Seite 175-180, traduzido por Renate Adolfs.
[17] NOVO MILÊNIO. A origem da Páscoa. Disponível em http://www.novomilenio.inf.br/festas/pascoa2.htm Acesso em: 04 abr. 2012.
[18] DÖRING, Alois apud DAMASCHKE, Sabine. Pequena história do coelho, do ovo e das tradições de Páscoa. DW, 12 abr. 2009. Disponível em http://www.dw.de/dw/article/0,,4170856,00.html Acesso em: 06 abr. 2012.
[19] SCHADEN, Francisco. Notas para a História da Localidade de Löffelscheidt. São Bonifácio: Ed. do Autor, 1946, p. 30.
[20] BELAI Suzy. A milenar arte de pintar ovos de Páscoa. Disponível em http://espacoflordocerrado.com/dicas/diversos/ovos-de-pascoa/ Acesso em: 04 abr. 2012.
[21] BELAI Suzy. A milenar arte de pintar ovos de Páscoa. Disponível em http://espacoflordocerrado.com/dicas/diversos/ovos-de-pascoa/ Acesso em: 04 abr. 2012.
[22] Cf. WIKIPEDIA. Ostereiertitschen. Disponível em http://de.wikipedia.org/w/index.php?title=
Ostereiertitschen&oldid=100938130 Acesso em: 26 mar. 2012. Pode ainda ser conhecida por “Hecken/Eiertötsche/Eiertütschen”; cf. HEIM, Walter. Osterbrauchtum. Freiburg, Schweiz: Kanisiusverlag, 1979, p. 37. É também conhecida por Eierticken; cf. VOSSEN, Rüdiger; KELM, Antje; DIETZE, Katharina. Ostereier – Osterbräuche: vom Symbol des Lebens zum Konsumartikel. 6. Auflage. Hamburg: Hans Christians Verlag, 1995, p. 72.
[23] Cf. Knippmontag: Feiertag der Cochemer. Disponível em http://www.rhein-zeitung.de/region/mittelmosel_
artikel,-Knippmontag-Feiertag-der-Cochemer-_arid,242318.html Acesso em 21 abr. 2012.
[24] SCHADEN, Francisco. Notas para a História da Localidade de Löffelscheidt. São Bonifácio: Ed. do Autor, 1946, p. 30.
[25] O chamado domingo da Pascoetta (ou da Pascoela) é considerado pela Igreja o Dia da Misericórdia de Deus ou Quasímodo, que, com a reforma litúrgica de 1969, passou a denominar-se também de o segundo domingo da Páscoa.
[26] Eleutherine plicata é uma planta herbácea pertencente à família Iridaceae. Entre os imigrantes alemães, era conhecida popularmente por Eierkraut, mas, em outras regiões, como marupazinho, marupari, palmeirinha, marupá-pirranga. Sua apresentação em forma de touceira, com bulbos vermelhos. Suas folhas são inteiras, plissadas e simples. Suas flores são em tons brancos ou rosados. Mais informações confira: LORENZI, Harri; MATOS, Francisco José de Abreu. Plantas Medicinais do Brasil – Nativas e Exóticas. Nova Odessa: Instituto Plantarum de Estudos da Flora, 2002.
[27] PORTUGAL, Padre Wagner Augusto. Páscoa e Semana da Pascoela. CATEQUISAR. Disponível em http://www.catequisar.com.br/texto/colunas/pewagner/47.htm Acesso em: 06 abr. 2012.
[28] “No dia de Páscoa é costume tirar do regato, antes do nascer do sol, a ‘água pascoal’, a que se atribui a virtude de dar saúde e beleza. A seguir, espera-se ansiosamente até que nasça o sol, para ver como este dá três pulinhos logo depois de aparecer no horizonte. Há mesmo quem afirme ter observado o fenômeno”. Cf. SCHADEN, Francisco. Notas para a História da Localidade de Löffelscheidt. São Bonifácio: Ed. do Autor, 1946, p. 29.
[29] SCHADEN, Francisco. Notas para a História da Localidade de Löffelscheidt. São Bonifácio: Ed. do Autor, 1946, p. 30.
[30] SCHADEN, Francisco. Notas para a História da Localidade de Löffelscheidt. São Bonifácio: Ed. do Autor, 1946, p. 5.
[31] SCHADEN, Francisco. Notas para a História da Localidade de Löffelscheidt. São Bonifácio: Ed. do Autor, 1946, p. 5.
[32] Registramos também nossos agradecimentos às seguintes pessoas pela colaboração no processo de desenvolvimento desse artigo: Alexis M. V. Cabezas (Jena, Alemanha), Augusto Köpp (Canoas-RS), Berthold Staudt (Morbach, Alemanha), Daniel Silveira (São Pedro de Alcântara-SC), Elisabeth Egarter (Juiz de Fora-MG), Eloir Júnior Amaro (Curitiba-PR), Ernestina Faizer Kurth (São José-SC), Everton Walmor Lehmkuhl (Águas Mornas-SC), Guaraci Vargas Greff (Capão da Canoa-RS), Izolino Kraus (Águas Mornas-SC), Joanildes Felipe (Santo Amaro da Imperatriz-SC), Jonas Bruch (Alfredo Wagner-SC), Luiz Henrique Wissel (Águas Mornas-SC), Marília Marx Jordan (Saint Blaise, Suíça), Matthias Nitsch (Colônia, Alemanha), Osni Antônio Machado (São José-SC), Renate Adolfs (Bad Camberg, Alemanha), Renate S. Odebrecht (Blumenau-SC), Ruth Santini (Caxias do Sul-RS), Simone Brenneisen Foltran Mürner (Dresden, Alemanha), Sintia Bausen Kuster (Santa Maria do Jetibá-ES) e Waldemar Reichmuth Day (São José-SC).