Uma viagem sobre literatura: Entrevista com o professor Ivo Zimermann, um mestre das letras
Um mestre se senta a mesa para corrigir monografias. Isso era o que Ivo Zimermann fazia na última quarta-feira, 23 de agosto. Era apenas mais um dia de sua rotina que é atrelada à língua. Sua atividade do passado, do presente e do futuro. Natural de Águas Mornas, onde segundo ele o diabo perdeu a meia, pois as botas perdeu antes. Formou-se em 1973 pela universidade federal de Santa Catarina, no curso de Letras. Depois fez mestrado em Linguística também na UFSC. Um sábio, em se tratando de literatura universal e alguém com um português de excelência aprendido aos sete anos, já que antes disso, falava o latim, nossa língua mãe.
A escolha pelo curso de Letras aconteceu por sequência de sua entrada no colégio interno dos padres franciscanos. “Quando eu saí em 1966, tinha que trabalhar. Como em terra de cego quem tem olho é rei, convidaram-me para dar aula e gostei. Comecei a lecionar Língua Portuguesa”, conta o mestre Ivo Zimermman. Em 1970 prestou vestibular para UFSC ficou em 7º lugar no computo geral e poderia ter optado por medicina, odontologia, preferiu as Letras.
“O primeiro contato com livros foi quando estudei no internato. Nós tínhamos de manhã leitura espiritual depois tínhamos a aula os deveres e a noite era opcional leitura ou estudo. No meu 2º grau tive literatura universal”, comenta.
Quando professor de Letras na Unisul ele provocava os universitários. “Vocês são muito inteligentes, porque nunca leram os clássicos, como é que farão critica literária? Eu leio Dostoievski, Tolstoi, Graciliano Ramos, Machado de Assis, Eça de Queiros, reli O Crime do Padre Amaro agora. Quando fui para universidade todos os livros que recomendaram eu já tinha lido”. Mestre Ivo tirava de letra as provas. Após ter estudado o Latim por sete anos em São Paulo fez concurso para a Federal, passou, e começou a lecionar o Latim, sendo professor da língua na UFSC.
“Como diz Serafim da Silva Neto: um professor de Língua Portuguesa que não conhece dois dedinhos de Latim e umas migalhas das línguas românicas não é professor de português”, conta Ivo.
Uma obra pessoal ele jamais projetou. Teve sua tese de mestrado publicada, e mais tarde recebeu menção, citada na bibliografia alemã. Nessa tese escreveu sobre A interferência do dialeto alemão na língua portuguesa. “O alemão troca os fonemas “p”, “q” e “t”. O alemão confunde pompa, pomba e bomba é tudo a mesma coisa para eles. Fiz minha tese sobre a comunidade Löffelscheidt em Águas Mornas”, conta. Ele também é autor de muitos artigos sobre dialetologia.
“Adoro as línguas clássicas. Falava com professor de teoria da literatura Antonio Carlos Correia, o K, que estou estudando o grego antigo. São mais de 400 páginas. Estou estudando grego de novo, pois quero chegar a ler a bíblia em grego, a de latim eu entendo. Estudei três anos de grego, mas o professor não era bom”, conta.
Ele se arrisca em diversas línguas universais. “Transito no inglês, francês, alemão, italiano. Leio melhor francês que alemão porque o francês é língua neolatina como o português. Aprendi a falar português com sete anos. Minha língua materna era o alemão um dialeto Hunsrückisch um dialeto que tem no Löffelscheidt em Águas Mornas. Minha língua mamada é a alemã. Por isso que sou professor de português. Não discuto com ninguém, pois minha base é o latim, estou voltando ao grego porque elas têm que andar junto.
Citou ídolos, e, consequentemente indicou leituras. “Goete, Shakespeare, Antoine de Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe já li 20 vezes. O Voo Noturno, Terra dos Homens, li em francês e em português. Na literatura brasileira: Machado de Assis. Reli Eça de Queiros, Graciliano Ramos, inclusive fiz um trabalho, no mestrado, contei todos os verbos que existe em Graciliano e o que impressiona é que a maioria está no gerúndio e no infinitivo. Adjetivos, nenhum. Em contrapartida, Iracema de José de Alencar acontece aquilo que chamo de sanduíche linguístico, um substantivo e dois adjetivos”, conta. E cita um trecho da obra “Verdes mares bravios, minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”.
Falou dos contemporâneos: Infelizmente o Luiz Carlos Prates saiu da grande mídia, tinha seu valor. Temos bons escritores, mas me afastei depois que todos começaram a escrever livros. Li um romance que se passa em 24 horas. Fala muitos palavrões, paranóico. Literatura tem que ter o perene os jovens não gostam dos clássicos, Alencar, Camões, Machado, mas eles têm que se inserir nessa época”, diz.
Comentou a reforma ortográfica. “Professor tem que ler e estudar. Eu sempre confesso: como professor nunca soube empregar o hífen, pra mim é insignificante. Defendem que não se emprega hífen em tais palavras porque o povo perdeu a noção do prefixo. E daí? Se eu sei não posso empregar?” questiona o mestre.
Ivo se classifica como fonético e etimológico. Hoje à noite vou falar sobre monografias. Sempre pedi: escreva o que você sente. Eu primeiro lanço para o papel o que me vem à cabeça, depois vou corrigir. Dizem: não estou inspirado. Inspiração é 5%, agora, 95% chama-se transpiração. É suar, clamar, ficar em cima do texto, corrigi-lo”, ressalta.
Pede que expressemos aquilo que nos incomoda, essa é a forma de tornar o texto contagiante. “Eu avalio uma redação por três aspectos: conteúdo, forma e emoção. Isso quem falou foi Horacio na arte poética, “só me faz chorar aquele que chorou por primeiro”. Então você tem que colocar sua alma no texto. O que surgiu primeiro a poesia ou a prosa? A poesia, claro. Você sente a necessidade de manifestar seu sentimento. Alguém pode não ter erro nenhum, eu dou seis como nota para não desestimular. Como diz um provérbio alemão: final feliz, tudo bem”.
“Eu não gosto que me chamem de professor, é mestre. A diferença é que professor tem alunos e mestre faz discípulos”. Ivo Zimermann apresentou dois de seus discípulos, alunos das últimas turmas de letras na Unisul. Alessandra comentou: Seu Ivo é um provocador.
“Se fosse pra começar de novo, faria de novo. E sou professor porque gosto, sou aposentando aqui, mas faço o trabalho e faria tudo de novo porque me sinto bem. Enquanto tiver um professor que lute pela educação e um casal que lute pela família, ainda há esperança”.
P.S.: A reportagem finalmente foi publicada, dia 03 de outubro, segue o link da matéria
Fonte: http://saiadadonamaricota.blogspot.com.br/2009/01/uma-viagem-sobre-literatura-entrevista.html