Fé e tradição: Santo Amaro da Imperatriz revive a Festa do Divino
Começa nesta sexta-feira, 13 de maio, em Santo Amaro da Imperatriz (SC), uma das mais tradicionais festa do Divino do país. Neste ano, ela chega à 162ª edição e mais uma vez vai reunir uma multidão nas ruas da cidade e no entorno da Igreja Matriz. A festa termina no dia 16 de maio. Conheça um pouco mais desta tradição através do artigo do historiador catarinense Toni Jochem – Mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, que cedeu gentilmente o artigo para este website.
Chegou o mês de maio e com ele o Dia das Mães; Pentecostes se aproxima. No litoral catarinense, Santo Amaro da Imperatriz respira fé, tradição e religiosidade. Mesclada pela colonização açoriana e alemã, Santo Amaro da Imperatriz é uma pequena cidade onde as devoções próprias do catolicismo popular se fazem presentes de forma bastante peculiarNela se presencia, desde 1854, uma forte manifestação de fé e cultura de base açoriana: A Festa do Divino Espírito Santo, que reúne milhares de devotos e foliões, anualmente.
Sua instituição é creditada às confrarias do Espírito Santo, existentes desde há muito na Europa. A precursora, em Portugal, foi a rainha Isabel (1271-1336), no século XIV, em Alenquer. Mas, é muito provável que a Festa do Divino tenha raízes nas remotas festividades pagãs das colheitas, em antigas culturas. A rainha Isabel era filha de Dom Pedro III, rei de Aragão, e esposa de Dom Diniz, rei de Portugal. De acordo com a tradição, a guerra envolvia a família real, pois Dom Diniz estava em luta aberta com seu filho, o infante Dom Afonso.
Em busca de paz, a Rainha consagrou seu país ao Espírito Santo e conseguiu, além dos Franciscanos Espiritualistas, que os pobres se unissem às suas preces. As orações foram atendidas e a paz voltou a imperar na família real. Em forma de agradecimento, Isabel doou sua coroa a uma Igreja, manifestando seu desejo de que anualmente fossem dedicadas renovadas ações de graças ao Espírito Santo. Era o prelúdio da paz e da justiça. A Era do Espírito Santo. A Nova Era.
Começava assim, a formatação inicial da festa em honra ao Divino Espírito Santo, a qual chegaria, no ano de 1748, com os açorianos, ao litoral catarinense e em 1854 a Santo Amaro da Imperatriz, onde, desde então, é realizada com pompa e circunstância, atraindo, todos os anos, milhares de devotos e foliões. Tempos em que a cultura popular se mostra.
A festa em louvor ao Espírito Santo mobiliza os paroquianos de Santo Amaro, os quais muito se empenham em sua realização; aplausos, sinos repicando, queima de fogos, banda de música e devoção se misturam nessa espetacular demonstração de fé e de tradição. Retrata, sobretudo, a riqueza e a diversidade da nossa cultura, evidenciando a força da religiosidade popular que mantém suas tradições nesse grande evento sócio-religioso do Estado de Santa Catarina.
OS SÍMBOLOS DA FESTA
O Divino Espírito Santo é a terceira pessoa da Santíssima Trindade. Em Santo Amaro da Imperatriz, a festa em sua honra é realizada no Domingo de Pentecostes, em comemoração à Sua vinda sobre a Virgem Maria e os Apóstolos, reunidos no cenáculo, em Jerusalém. O costume de festejar o Espírito Santo chegou ao Brasil com os imigrantes portugueses, ainda nas primeiras décadas da colonização, e pode ser ser encontrado praticamente em todas as regiões do país. No Sul do Brasil, a sua chegada, de forma mais acentuada, se efetivou com imigrantes açorianos, a partir de 1748. Apesar de sua diversidade em cada região, apresentando características distintas, a Festa mantém em comum alguns elementos, tais como: a pomba, a coroa, a bandeira, a coroação de imperadores, entre outros elementos.
Em Santo Amaro da Imperatriz, o ciclo dos festejos iniciados no dia da Páscoa é composto de diversos símbolos, dentre os quais a coroa e o cetro, que deixam de ser “símbolos do poder temporal do ‘imperador’, para constituírem símbolos do próprio Espírito Santo e objetos de veneração e culto”[1]. Além da coroa e do cetro, em Santo Amaro são utilizados os seguintes símbolos:
Santo (Mt. 3, 16) em seu símbolo maior. Representa a Terceira Pessoa da Trindade, manifesta no batismo de Jesus Cristo, no Rio Jordão, por João Batista. Em Santo Amaro, a pomba do Divino é esculpida em madeira, policromada, representada com as asas fechadas sobre um mastro.
Bandeira
Símbolo sagrado que representa o Espírito Santo para seus devotos. Retangular, de cor vermelha, em lembrança às línguas de fogo do relato bíblico, apresenta um desenho de uma pomba ao centro. É apresentada no mastro encimado pela pomba, de onde partem dezenas de fitas coloridas, materializando cada um dos SETE DONS do Divino, com suas cores características: azul – SABEDORIA; prata – ENTENDIMENTO; verde – CONSELHO; vermelho – FORTALEZA; amarelo – CIÊNCIA; azul escuro – PIEDADE; roxo – TEMOR DE DEUS. Na bandeira do Divino os fiéis amarram fitas de cores variadas, indicando a graça desejada ou cortam dela um pedaço pedindo especial proteção.
Coroa e Salva
A coroa real é a insígnia do poder temporal. Ela é imperial, lavrada em prata, com cinco braços, cuja junção se dá na extremidade superior onde há uma esfera representando o globo terrestre, e sobre ela, de asas abertas, repousa a pomba, símbolo maior do Divino Espírito Santo. A coroa é colocada por sobre a salva, que lhe serve de apoio é levada durante o Cortejo Imperial pelas ruas da cidade com destino à Igreja Matriz para a Missa da Coroação.
Cetro
O cetro significa o poder temporal do Rei; representa o poder de mando e decisão. É um bastão de prata lavrada, composto de um punho com algumas saliências, encimado por uma esfera na qual se assenta uma pomba. Na base do cetro é amarrada uma fita vermelha.
Espada
Ter uma espada na mão significa glória e respeito. Em Santo Amaro, o Imperador a leva na mão durante o cortejo. Essa espada foi doada por Nemézio Coelho, membro de uma antiga família de Santo Amaro da Imperatriz. Nela há a seguinte inscrição: “Ofereço ao glorioso Santo Amaro por uma graça alcançada: Nemézio Coelho, 15/09/1957”. Nemézio Coelho seria o filho mais novo de um casal e fora convocado para a guerra, e, como era muito fervoroso em sua fé católica, fez a seguinte promessa: se voltasse a sua terra com vida, doaria sua espada à Igreja local. Como isto aconteceu, fez a sua doação durante uma missa e, até hoje, é a espada usada no cortejo pelo Imperador[2].
Império
O Império constitui-se em um local sempre ricamente ornamentado, ao qual se procura dar o aspecto de suntuosidade, é ladeado pelas bandeiras, a Coroa e o Cetro do Divino Espírito Santo, simbolizando que é Dele o reinado, durante o período da Festa. Em outros termos, o Império consiste na edificação destinada, de forma especial, para nela fazer constar o altar do Divino. Santo Amaro já teve a tal edificação. Hoje, na falta dela, o altar do Divino – Império – é montado na parte interna do principal salão onde ocorrem os festejos.
Festeiro
O casal festeiro – também chamado de imperador do Divino –, é a figura central nos rituais e organização da festa. O Casal Imperial é o responsável pelo provimento financeiro do evento, assumindo pessoalmente o custeio de parte dos festejos, isto é, pelos trajes da Corte Imperial e pela ornamentação do espaço festivo. Imperador e Imperatriz As figuras do Menino Imperador do Divino e da Menina Imperatriz e sua corte relembram o culto popular da Festa de Coroação do Imperador do Divino Espírito Santo, iniciado em Portugal pelo rei D. Diniz e pela rainha Isabel, durante o século XIV. Esse casal é formado quase sempre por crianças ou adolescentes, normalmente filhos dos festeiros ou de seus parentes próximos. O casal que representa o Imperador e a Imperatriz veste-se com figurinos que remetem à Corte portuguesa.
Corte Imperial
A Corte é composta pelo Imperador e a Imperatriz, os pajens e as damas da Corte (também crianças ou adolescentes), geralmente seis casais, que também vestem roupas que remetem ao século XIV. Essas roupas são quase sempre confeccionadas em tecidos nobres e bem ornamentadas, de acordo com a disponibilidade financeira do Casal Imperial. O Cortejo Imperial é montado obedecendo a uma ordem extremamente elaborada e consignada pela tradição. Em primeiro lugar, vêm as três moças conduzindo as bandeiras do Divino, chamadas de porta-bandeiras. A seguir, quase sempre, é uma menina (criança) que carrega uma almofada trazendo, em bordados, a pomba do Espírito Santo. Logo após, vêm as damas da Corte e os pajens, sendo que o número de casais varia conforme a deliberação do festeiro. Na sequência, vêm o Imperador e a Imperatriz e, após estes, o casal de festeiros, trazendo o principal símbolo da festa: a coroa. Devidamente constituída, a Corte Imperial caminha solene e pomposamente pelas principais ruas da cidade até a Igreja Matriz para a Missa da Coroação.
Massas do Divino (Ex-votos)
Outro ponto de destaque da Festa do Divino são as “massas” em agradecimento ao atendimento de uma promessa geralmente relacionada a questões de saúde. Também chamadas de ex-votos[3], são massas de pão feitas geralmente no formato de uma parte do corpo humano. Assim, é comum encontrar braços, pernas, mãos que são oferecidos simbolicamente ao Divino, em agradecimento à graça alcançada. Esses pães ficam expostos ao lado do Império, numa seção de ex-votos especialmente para tal finalidade destinada, onde são vendidos e em seguida novamente doados ao Espírito Santo. No final da festa, os pães são postos em leilão e arrematados; segundo a tradição, se conservado em casa, trazem abundância e fartura para a família. Há quem afirme que, em casos de necessidade, a massa do divino teria o poder de repetir o milagre da multiplicação dos pães realizado por Jesus.
Bolo do Divino
A tradição de oferecer bolos em datas especiais é antiga, e pode estar relacionada à fertilidade ou abundância e à relevância da ocasião. Para as cortes européias, a altura do bolo demonstrava poder, riqueza e status social; portanto, quanto mais altos fossem, melhor. Em Santo Amaro da Imperatriz, o bolo do Divino é verdadeira obra de arte sendo objeto de admiração. Cortá-lo e dividi-lo entre os fiéis significa partilhar os dons do Divino Espírito Santo.
O CICLO DO DIVINO: ROTEIRO DE FÉ E DEVOÇÃO EM SANTO AMARO
O ciclo do Divino Espírito Santo é rico em tradições de base religiosa. Elas fazem parte da cultura e se enquadram no que poderíamos denominar de patrimônio cultural imaterial. As mais diversas regiões brasileiras comemoram o ciclo do Divino de formas diferentes e com significados peculiares. Em Santo Amaro da Imperatriz, no século XIX, os festejos eram organizados pela Irmandade do Espírito Santo; com a dissolução da citada entidade religiosa, a administração da paróquia assumiu a sua organização e promoção.
O ciclo das comemorações da festa dedicada ao Divino Espírito Santo, realizada no domingo de Pentecostes, tem início no domingo de Páscoa. Nesta ocasião, às 19h, realiza-se uma Missa na Igreja Matriz e, ao final da celebração, o pároco preside a bênção e saída das Bandeiras Petitórias, conduzidas pelos procuradores sob um belíssimo show de fogos de artifício. Elas visitam todas as residências dos paroquianos percorrendo indistintamente cada uma das mais de vinte comunidades que integram a Paróquia Santo Amaro.
Procurador é a pessoa responsável pelo trajeto da Bandeira Petitória, sendo que a ele, às vezes, se unem mais pessoas, com as funções de levar a bandeira, tocar o tambor executando um batuque cadenciado e lento, e soltar fogos, anunciando a proximidade do cortejo às casas dos paroquianos, bem como às lojas, casas de comércio, órgãos públicos, etc. Ao ouvir os fogos de artifícios e/ou o batuque, a família se apressa em receber a Bandeira do Divino na porta da casa.
Algumas pessoas acompanham o trajeto da bandeira para pagar promessa; assim, no decorrer do dia, o número de acompanhantes aumenta à medida que as visitas são feitas. Ao longo da caminhada, os componentes do grupo levam instrumentos de percussão (tambor e bumbo) e foguetes para anunciar a passagem da Bandeira; afirma-se que o toque dos mencionados instrumentos afugenta a doença e traz prosperidade. Como ninguém é tão pobre a ponto de nada poder ofertar ao Divino, nem tão rico que a Ele nada precise pedir, a “Bandeira” é entronizada, de porta em porta, em todas as comunidades filiadas à Paróquia. Acredita-se que a sua visita represente a verdadeira bênção do Divino e que esta proporcione durante todo o ano boa colheita, saúde e fartura além de afastar uma série de males. Ao chegar a uma casa, o Procurador saúda a família e pede permissão para entrar; seus moradores se aglomeram num de seus cômodos para receberem a bênção do Divino, ocasião em que beijam reverentemente a pomba ou as fitas existentes em seu mastro e depois recebem um prospecto promocional com o convite para a Festa do Divino Espírito Santo, a programação das novenas e orações temáticas. Após reverências e bênçãos recebidas, a família visitada, em sinal de agradecimento, oferece uma contribuição geralmente de ordem financeira que será revertida para a promoção da Festa do Divino.
A visita da Bandeira Petitória é geralmente acompanhada por cantos de cunho religioso. Algumas famílias promovem novenas ao Espírito Santo, com a presença da respectiva bandeira, ocasião em que se esmeram na decoração de suas casas, com motivos religiosos, no intuito de bem receberem familiares e vizinhos para o culto ao divino Espírito Santo. Nas casas onde acontecem as novenas de tradição açoriana, quase sempre nas residências dos Procuradores, são erguidos altares em honra ao Divino Espírito Santo; nestes, o “Capelão” entoa as orações e a ladainha em honra a Nossa Senhora e ao Divino Espírito Santo. Terminada a novena, o Procurador realiza um leilão das massas oferecidas ao Divino. Logo após, em algumas ocasiões, um grupo folclórico realiza a cantoria do Divino, sendo o folião mestre a entoar os versos (solo), e os demais componentes do grupo os repetem com uma melodia bastante harmoniosa. Os versos são inspirados na hora, baseados na realidade ali presente. Finalizada a cantoria, é passada a salva entre os devotos, para os que desejarem oferecer seu óbolo. Em seguida, a bandeira é levada pelo Procurador entre os fiéis para ser beijada. Aos cantores, capelão, convidados e demais presentes são servidos pães, bolos, café, doces ou mesmo um coquetel, ofertado pelo Procurador ou dono da casa, como forma de agradecimento pelos dons recebidos. Em algumas comunidades, é realizada uma única novena comunitária, também seguida de leilão de massas e/ou outros produtos espontaneamente doados para tal finalidade; entretanto, essa novena comunitária é realizada nas dependências da igreja local. O lucro auferido em tais leilões é encaminhado para a promoção da Festa do Divino.
No nono dia que antecede a festa de Pentecostes, as Bandeiras Petitórias retornam à sede paroquial, tendo início a realização das novenas na Igreja Matriz. Essas novenas são preparadas pelos mais diversos segmentos pastorais da Paróquia e nelas são refletidos aspectos referentes ao Espírito Santo e sua ação na Igreja.
A Festa do Divino é uma comemoração religiosa móvel, isto é, sua realização está atrelada à data na qual a Igreja comemora o domingo de Pentecostes (comemoração da descida do Espírito Santo sobre a Virgem Maria e os Apóstolos), ocorrendo sete semanas após o domingo de Páscoa. É interessante salientar que em Santo Amaro da Imperatriz, a referida festividade do Divino não obedece a um ritual fixo, possibilitando, desta forma, o incremento ou a abolição de alguns aspectos considerados convenientes pela comissão organizadora da festa ou pelo próprio Casal Imperial.
Dessa forma, na sexta-feira que antecede ao domingo de Pentecostes, marcando o início da Festa, o Prefeito Municipal entrega as chaves da Prefeitura ao Casal Imperial, simbolizando que nos três dias de festividades ele impera na cidade.
Para os festejos, as principais ruas da cidade são decoradas com bandeirinhas, conferindo-lhes um ambiente ímpar de festa. As residências e, sobretudo, as vitrines das lojas comerciais da área urbana da cidade, também são ornamentadas com símbolos que remetem ao Espírito Santo. E a cidade passa a respirar festa e tradição. Muitos paroquianos recebem parentes e amigos em suas casas que vêm a Santo Amaro em função da festa; consequentemente hotéis e restaurantes também têm seu número de hóspedes aumentado pela mesma razão.
No sábado, os festejos são iniciados com a realização do Cortejo Imperial.Às 18h15min, a Banda de Música e três Bandeiras Petitórias[4], acompanhadas pelos padres devidamente paramentados saem da Igreja Matriz e se dirigem à sede da Prefeitura Municipal, buscando a Corte e o Casal Imperial para a Missa da Coroação. Uma grande multidão se aglomera na Praça Ivo Silveira à espera da Corte Imperial, que solenemente sai do recinto da Prefeitura Municipal. Lá, estão o Casal Imperial, o Imperador, a Imperatriz e sua Corte para representar o ritual instituído pela Rainha Isabel, no século XIV: dirigir-se com a Corte para a igreja e oferecer a coroa imperial ao Espírito Santo.
Às 18h30min, o trânsito de veículos é interrompido na rua principal da cidade, momento em que as três porta-bandeiras deixam a sede da Prefeitura Municipal, ao som da banda de música, abrindo caminho para o Cortejo Imperial, acompanhado pelos padres, diáconos, coroinhas, pelo casal festeiro e seus convidados, além de autoridades constituídas.
Devidamente composta, a Corte Imperial caminha solene e pomposamente pelas principais ruas da cidade até a Igreja Matriz para a Missa da Coroação, enquanto a banda executa músicas apropriadas para a ocasião. A Corte e o séquito imperial ocupam uma posição de grande relevância no ritual dos festejos. O casal festeiro leva nas mãos a Coroa, lavrada em prata.
Centenas são os paroquianos e turistas que se aglomeram nas calçadas das vias públicas para prestigiar a centenária tradição. Depois de um trajeto de aproximadamente um quilômetro, chegam ao pátio da Igreja Matriz, em cuja torre a histórica imagem do padroeiro Santo Amaro os acolhe e abençoa. Neste ínterim, o Imperador, a Imperatriz, a Corte Imperial e o casal festeiro entram pela porta principal do templo sagrado – ricamente ornamentado para a ocasião e pequeno para abrigar os milhares de fiéis que participam da solenidade – e se colocam junto ao altar, de frente para o povo, e dá-se o início da liturgia solene em homenagem ao Espírito Santo.
No interior da igreja, em algumas ocasiões, é executada a Cantoria do Divino:
Cantoria do Divino Espírito Santo[5]
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I – Oh! Divino Espírito Santo! Em Deus por Natureza;/ Tens as virtudes do Altíssimo/ Traz ricos dons por riqueza… II – Vem vindo o Espírito Santo/ Trazendo a Vossa cantoria;/ Também traz em seu poder/ A paz, saúde e alegria… III – Oh! Senhor dono da casa/ Abre a porta e deixe entrar;/ Com a Bandeira do Divino/ Em suas graças abençoar… IV – Vem conduzindo a Bandeira! De uma longa caminhada;/ Acompanhando e bem vindo/ Vos bendizei Vossa chegada… V – Dê-me a licença de entrar/ dentro de Nossa morada;/ Com a chegada do Divino/ E pede a mente e sabedoria… VI – Ao chegarem em sua casa! Tenha a residência preparada;/ Com os devotos em oração/ O Espírito Santo faz sua casa morada… VII – Dentro de Vossa morada/ Veio o Divino Espírito Santo;/ Com os seus dons vem nos trazer/ No seu estrelado Santo Manto… VIII – Bendito aquele que vem/ Do Deus Eterno das Alturas;/ Com suas graças abençoar/ No céu, na terra, as criaturas… IX – Bendizei-vos Vossa chegada/ E na chegada tocam os sinos;/ Por Vosso amor, Vos cantaremos/ E no altar cantam os Hinos… X – Te damos glórias ao Senhor/ Do Divino e suas crenças;/ Vossas Mensagens e Prosperidade/ Nos defendei todas as doenças… Xl – Venho pedir-vos uma esmola/ Pra este Senhor da Verdade:/ Que é uma das Três Pessoas/ Da Santíssima Trindade… XII – A esmola que Vós destes/ É para o Divino Criador;/ Quem vos há de agradecer/ Que é o Deus Divino Salvador… XIII – Se doares uma prenda/ E ofertando pelos seus;/ Agradecemos em Vossa Festa/ Se mandares o pão por Deus… XIV – Oh! Divino pede a esmola/ Mas não é por precisão;/ Pede pra experimentar/ Nos seus devotos quem são… XV – Aqui dentro do Santuário/ Em que viemos compreender;/ Sua oração o pão diário/ Para o Divino oferecer… XVI – Antes da Virgem Maria/ E a Seu Filho concebido;/ Pelo poder do Santo Espírito/ E como havia prometido… XVII – O Seu Filho Jesus Cristo/ Que nasceu da Virgem Maria;/ Que elevou-se até o céu/ Pra nós todos prometia… XVIII – Sobre nós veio e disse/ Entre Luz e Salmos e Cantos;/ Como o Pai Me Enviou/ E recebi o Espírito Santo… XIX – Sobre a noite veio a luz/ Com suas graças concebidas;/ Com seu poder nos faz crer/ Em Sua Luz a nova vida… XX – Sua luz desceu do céu/ Tão penetrante e eficaz;/ Sobre herança nos deixou/ A nova vida, amor e paz… XXI – E vai partindo a comitiva/ Pelos caminhos sua Bandeira;/ Que trouxe a paz em Vossa casa/ Aos filhos, esposa e companheira… XXII – Que com Deus, fiques pro ano/ Até quando ele nos voltar;/ E na chegada do Divino/ Nos sete dons nos ajudar”[6]. |
Instantes depois, o padre retira a coroa da cabeça do Imperador, entrega-a ao Casal Imperial, o qual a coloca sobre a salva e a oferece ao Divino Espírito Santo, colocando-a solenemente sobre o altar, onde permanece durante a celebração da missa que segue normalmente seu ritual. Após a oração da Comunhão, já no término da celebração, o Casal Imperial retoma a coroa que está sobre o altar e a entrega ao padre para que efetue a Coroação do Imperador.
Dada a bênção final, as Bandeiras Petitórias acompanhadas pela Corte Imperial e pelos padres, deixam em procissão o recinto da Igreja Matriz e já no pátio assistem shows pirotécnicos, entre os quais o “Glória ao Divino” que consiste em um retângulo de madeira dentro do qual está enrolado uma pano. Aceso o pavio, o retângulo se ilumina com os fogos finalizando com o desenrolar do pano no qual aparece pintada a pomba do Divino Espírito Santo. Ato contínuo, em meio à multidão que abre passagem, a Corte Imperial segue para o salão de festas, acompanha pela Banda de Música. No salão, é preparado o ‘Império’, primorosamente decorado, onde avultam ornamentações que remetem ao Espírito Santo, constando neste local o trono do Imperador. Neste recinto, permanecem expostos para “veneração”, o casal de Imperadores, a Corte, as Bandeiras Petitórias, a coroa do Divino, o cetro, a espada. Conferindo ainda mais brilho e encanto ao “Império”, a banda de música faz sua apresentação.
Esse trono improvisado é altamente luxuoso, sofrendo alterações a cada ano, durante a Festa do Divino. Cada casal “festeiro” deseja fazer sempre o melhor. O trono é decorado com flores, grama, chafariz, carruagens, gaiolas de pombas, etc. Nele a família imperial recebe os cumprimentos. O luxo da Corte e de seu Império faz com que a Festa do Divino de Santo Amaro da Imperatriz seja considerada “a mais pomposa do Estado”[7] de Santa Catarina.
As massas são outra peculiaridade da Festa de Divino Espírito Santo. Feitas de pão sovado, com ingredientes da melhor qualidade, são trazidas pelos devotos como pagamento de promessas por graças recebidas, durante o ano, ou adquiridas pela organização do evento em uma padaria da cidade; todas são colocadas sobre uma mesa, onde permanecem expostas até o último dia da festa, segunda-feira. Neste ritual é feito, também, o oferecimento de massas em formato de partes de corpo humano (cabeça, braços, pernas, coração, pulmão…) e de animais. Nesta ocasião, são leiloadas e arrematadas pelo festeiro do próximo ano. Ele as distribui aos pobres da comunidade numa imitação do bodo real realizado na ocasião da instituição dos festejos do Divino Espírito Santo, em Portugal.
Os fiéis costumam adquirir essas massas e de posse dela, deslocam-se até a Corte Imperial. Lá, ajoelham-se diante do Casal Imperial e beijam a pomba em cima no cetro, que fica na mão da Imperatriz. Após o ritual, não raras vezes, as massas adquiridas pelos fiéis são por eles oferecidas ao Espírito Santo e, por isso, devolvidas para que outros possam dela se utilizar no mesmo cerimonial até o fim da festividade.
O ritual do Cortejo Imperial e da Missa da Coroação é repetido no domingo pela manhã – às 9h30min – e à noite – às 19h – , e na segunda-feira pela manhã – às 9h30min. Em cada cortejo, a corte imperial troca de figurino tornando o evento ainda mais atrativo.
No domingo às 12h, a Família Imperial e seus convidados promovem um almoço festivo num dos salões paroquiais, a exemplo da “função” ou “sopa do Espírito Santo” existente nos Açores[8]. É um grande banquete oferecido pelo festeiro para os seus convidados especiais.
No domingo, antes do término da missa das 19h, o Casal Imperial anuncia o nome de seu sucessor para o próximo ano, o qual foi previamente convidado. Assim que anunciado, o novo Casal Imperial se desloca ao presbitério onde recebe os cumprimentos do Casal Imperial e dos padres e depois acompanha solenemente o cortejo para o Império instalado no salão paroquial, onde recebe os cumprimentos de parentes e amigos.
Ressaltamos também que, apesar da documentação histórica por nós consultada evidenciar a inclusão da segunda-feira, após o dia de Pentecostes, como um dos dias destinados à realização da Festa do Divino Espírito Santo desde a sua criação, em 1854, a história registra que a sua oficialização, enquanto feriado municipal em Santo Amaro, data somente a 08 de maio de 1997. Naquela data, o então prefeito Pedro Martendal sancionou a Lei de Nº 1.183, instituindo “como Feriado Municipal, de conotação cultural, a segunda-feira destinada às atividades do Divino Espírito Santo”[9].
Na missa da segunda-feira, oficiada às 10 horas, é realizada a coroação do Novo Imperador. O novo casal e seus convidados participam do cortejo, iniciado às nove horas e trinta minutos. Chegando à Igreja Matriz, o Imperador e a Imperatriz atuais cedem seu lugar no trono ao novo casal. Neste local, os novos soberanos recebem o manto imperial de seus antecessores, sendo depois realizada a solene coroação. E do trono, eles participam da missa. Ao término da cerimônia religiosa, o cortejo, com os novos imperadores coroados, se dirige ao Império.
É interessante notar que a partir do ato de coroação, tem-se a presença de dois imperadores, um efetivo, coroado no ano anterior, cujo “mandato” está se extinguindo, e outro, também efetivo porque coroado, cujo mandato, porém, ainda não começou.
Na segunda-feira é promovido um almoço festivo, no entanto, desta vez, é oferecido pelo casal festeiro recém-nomeado, aos seus convidados. Neste mesmo dia, convertido em feriado municipal, dá-se um curioso ritual, denominado como “O Enterro dos Ossos”, geralmente a partir das 15 horas. Ao som da banda de música, as Bandeiras Petitórias, a coroa, o cetro e a espada são conduzidos em procissão pelas duas famílias imperiais, em trajes menos pomposos, e entregues ao pároco, na capela interna da casa paroquial. Depois da entrega das insígnias, o ritual consiste num animado e descontraído baile público abrilhantado pela banda de música pelo pátio e salões paroquiais. Mas até pouco tempo não era assim[10].
Após mais de um século e meio de sua instituição, a Festa do Divino Espírito Santo permanece como o grande referencial religioso-folclórico em Santo Amaro da Imperatriz. Inserida na cultura popular, a Festa do Divino tem representações religiosas e profanas, as quais incidem no modo de ver e compreender o mundo, por parte da comunidade local. Sendo exemplo ímpar da matéria constituinte do modo de ser brasileiro é conservado com apreço pela sociedade catarinense, com especial destaque em Santo Amaro da Imperatriz.
Historiador Toni Jochem no coro da Igreja Matriz dedicada a Santo Amaro, em Santo Amaro da Imperatriz-SC, durante a Missa da Coroação da 161ª Festa do Divino. Fotografia de Hélio João Machado, de maio de 2015.
NOTAS DE FIM
[1] LIMA, Manuel C. Baptista. “A Introdução do Culto do Divino Espírito Santo nos Açores e a sua influência na simbólica e arquitetura religiosa dos séculos XV e XVI”. In: Os Impérios do Espírito Santo e a Simbólica do Império. Angra do Heroísmo: Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1985, p. 166.
[2] Cf. MICHELUTE, Maria Eliete de Abreu. A Festa do Divino Espírito Santo em Santo Amaro da Imperatriz. Florianópolis: Garapuvu, 2000, pp. 45-6. Cf. também MARTINS, Celso. Tabuleiro das Águas. Florianópolis: Ed. Recriar, 2001, p. 232. Esse costume de se levar uma espada no cortejo também é observado nos Açores, hoje praticamente em desuso. Cf. SIMÕES, Manuel Breda. Roteiro Lexical do Culto e Festas do Espírito Santo nos Açores. Maia: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1987, p. 89.
[3] Ex-voto (do latim: por força de uma promessa, de um voto; ou a abreviação de ex-voto suscepto – o voto realizado) pode ser um objeto – nesse caso, uma massa representando partes do corpo que estavam adoecidas e foram curadas etc. São expostos para visualizar o pagamento de promessas e/ou agradecer uma graça alcançada.
[4] As Bandeiras Petitórias são classificadas em bandeiras ricas e bandeiras pobres. As primeiras são ricamente adornadas e as segundas não ostentam tanto luxo. Somente as Bandeiras Ricas são conduzidas no Cortejo Imperial.
[5] Letra e música de Antônio Narciso e adaptação, arranjo e estrofes de Braz Campos de Araújo.
[6] MARTINS, Celso. Tabuleiro das Águas. Florianópolis: Ed. Recriar, 2001, pp. 237 e 238.
[7] NUNES, Lélia Pereira da Silva. “Festa do Divino Espírito Santo – Resgate de uma tradição”. In: Anais da 2º Semana de Estudos Açorianos. Florianópolis: Editora da UFSC, 1989, p. 100.
[8] Função, nos Açores, designa especialmente o almoço/jantar, no qual é servida a sopa do Espírito Santo, que o Imperador oferece aos convidados no domingo em que se realiza a coroação. Cf. SIMÕES, Manuel Breda. Roteiro Lexical do Culto e Festas do Espírito Santo nos Açores. Maia: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1987, pp. 99 e 165.
[9] Artigo 1º da Lei Nº 1.183, de 08 de maio de 1997, da Prefeitura Municipal de Santo Amaro da Imperatriz. Arquivo da Prefeitura Municipal de Santo Amaro da Imperatriz.
[10] Até pouco tempo atrás o ritual do enterro dos Ossos consistia do seguinte: o festeiro era colocado por populares num caixão de madeira enfeitado com flores e conduzido em meio ao povo. Em seguida, outras pessoas se revezavam no caixão, inclusive o festeiro recém-nomeado, enquanto o “préstito” seguia por algumas ruas da cidade. O “Cortejo Fúnebre” era caracterizado pela distribuição gratuita de chope, conduzido na carroceria de um caminhão. Além de beber à vontade, os participantes não raras vezes jogavam o chope uns nos outros e nos que passavam pelas imediações, numa grande brincadeira. Depois, o desfile retornava ao pátio da Igreja Matriz.